segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Santa Genoveva, Virgem, Patrona de Paris - 3 de janeiro

  
     No ano 400 de nossa era o Império Romano do Ocidente vivia seus últimos dias. Na província romana da Gália (atual França), em meio aos pagãos que ainda faziam sacrifícios humanos ao deus Thor, o Cristianismo começava a lançar suas raízes quando, vinda de além Reno, uma horda de bárbaros devastou a região quase sem encontrar resistência. “Por que os gauleses, outrora tão bravos, não se defenderam? Porque os romanos, com seu luxo, tinham-lhes dado sua moleza e seus vícios”. (1) Com o tempo, a vida recomeçou com os novos bárbaros sendo assimilados pela população do país.
     Nasceu nesse período, em 422, na pequena cidade de Nannetodorum (hoje Nanterre), nos arredores de Paris, numa família cristã, Genoveva, filha única de Severo, provavelmente um franco romanizado, e de Gerôncia, de origem grega. A vida da Genoveva é narrada na Vita Genovefae, escrita cerca de vinte anos depois de sua morte. Embora este documento não tenha sido escrito por um historiador e contenha aspectos legendários, é considerado confiável.
     Sendo católicos fervorosos, seus pais procuraram formar a filha nos mesmos princípios religiosos. Dócil e sempre aberta à ação da graça, Genoveva crescia de modo análogo ao do Menino Jesus: “em graça e santidade diante de Deus e dos homens”.
     Como filha única, ela herdou o cargo de membro do conselho municipal (“cúria”) ocupado por seu pai, que ela exerceu de início em Nanterre, depois em Paris, após sua instalação naquela cidade.
     Em 430, enviados pelo Papa São Celestino I, São Germano de Auxerre e São Lupus de Troyes atravessaram a Gália para ir combater a heresia de Pelágio na Grã-Bretanha. Durante o trajeto pararam em Nanterre. A população se reuniu para dar-lhes as boas vindas e São Germano pregou para a multidão.
     Uma piedosa criança chamou sua atenção, Genoveva. Após o sermão ele pediu que a criança fosse trazida até ele. Quando estes se apresentaram com a filha, São Germano, pondo a mão na cabeça da menina, disse: “Bendito dia aquele em que o Senhor vos concedeu tal filha; os anjos a saudaram sem dúvida no seu nascimento, e Deus Nosso Senhor a destina a ser instrumento de grandes maravilhas”. (2) Ele conversou com ela com interesse, encorajando-a a perseverar no caminho da virtude
     Na manhã seguinte, antes de partir, o Santo viu-a novamente e a abençoou, dando a ela uma medalha tendo a cruz gravada, dizendo para recordar-se sempre de sua dedicação a Cristo. Disse a ela também para usar a medalha em substituição às suas pérolas e seus enfeites de ouro. Segundo alguns autores, é este o primeiro exemplo que se conhece do uso de medalhas ao pescoço.
     Como não havia conventos próximos de sua cidade, Genoveva permaneceu em sua casa levando uma vida piedosa e inocente. Quando a jovem chegava a uma idade conveniente (que era habitualmente os 25 anos), apresentava-se ao Bispo que, depois das preces e cerimônias apropriadas, lhe concedia o véu. Como a virtude de Genoveva e sua piedade eram já eminentes, o Prelado  admitiu-a com a idade de 15 anos. A partir de então, como faziam as virgens consagradas, a adolescente passou a alimentar-se apenas de legumes, a beber somente água, e cobriu-se com um cilício, passando longas horas em oração.
     Não se tem certeza de quando ela fez seus votos definitivos. Alguns escritores afirmam que foi por ocasião do retorno de São Germano de sua missão na Grã-Bretanha; outros dizem ter ela recebido o véu das mãos do Bispo de Paris, aos dezesseis anos, junto com duas companheiras.
     Por ocasião da morte de seus pais, Genoveva foi para Paris viver com sua madrinha. Ela se dedicava às obras de caridade e praticava austeridades como, por exemplo, jejuando e se alimentando apenas duas vezes na semana; não saindo de seu quarto desde a tarde da Epifania até a Quinta-feira Santa. Estas mortificações ela praticou por 30 anos, até que seus superiores a obrigaram a diminuir suas penitências.
     Muitos vizinhos, cheios de inveja, acusavam Genoveva de ser uma impostora e uma hipócrita. Como Santa Joana d’Arc, ela tinha muitas visões e profecias, que eram tratadas como fraudes. Seus inimigos conspiraram para afogá-la, mas graças à intervenção de São Germano de Auxerre, tais animosidades foram superadas. O bispo da cidade nomeou-a guardiã das virgens dedicadas a Deus, e por sua orientação e pelo seu exemplo Genoveva encaminhou-as a um alto grau de santidade; algumas delas, como Santa Aude, chegaram a santidade eminente. Ela também era favorecida por graças extraordinárias lendo as consciências e curando os corpos em nome de Cristo por meio da unção de óleos.
     Em 451, Atila, “o flagelo de Deus”, como era conhecido, e seus Hunos devastavam a Gália e os habitantes de Paris se prepararam para fugir. Genoveva, que tinha então apenas 28 anos, convenceu os habitantes de Paris a não abandonar a cidade aos Hunos. Ela encorajou-os a resistir à invasão com as célebres palavras: “Que os homens fujam, se eles assim o querem, se eles não são capazes de combater. Nós, as mulheres, rezaremos tanto e tanto a Deus, que Ele ouvirá as nossas suplicas”. “Eu vos predigo que, pela proteção de Cristo, Paris será poupada, enquanto os lugares onde vos quereis refugiar tombarão sob o poder do inimigo, não restando lá pedra sobre pedra”. (3) Muitos foram os parisienses dóceis aos seus conselhos que se revezavam na igreja, numa contínua prece ao Céu. Mas nem todos estavam de acordo com Genoveva, ela se arriscou a ser linchada.
     A profecia da Santa cumpriu-se à risca, pois Átila não avançou até Paris. Finalmente, foi derrotado por uma coligação de romanos, francos e visigodos, na estupenda vitória de Chalons-sur-Marne, em 451.
     Mais tarde, quando os Francos cercaram Paris, Genoveva salvou novamente a cidade, desta vez da fome. Durante esse prolongado cerco, que reduziu Paris à mais extrema penúria, “Genoveva, compadecida de tanta fome, juntou grande quantidade de trigo. Conduziu-o a Paris através de inúmeras dificuldades, salvando assim a vida daquele povo aflito”. (4) Ela organizou uma expedição engenhosa por meio de barcos que pelo Sena iam buscar o abastecimento até na região de Champagne. “Essa magnânima caridade, acompanhada de muitos milagres, deu novo lustro às suas virtudes, fazendo-a ser venerada mesmo pelos pagãos. Childerico, pai de Clóvis, estimava tanto a nossa santa que nunca se atreveu a negar-lhe coisa alguma que pedisse”. (5)
     A Santa mandou construir a primeira Basílica de Saint-Denis (São Dionísio) sobre o túmulo daquele santo, primeiro bispo de Paris. Ela visita as obras à noite com suas companheiras; quando o vento apaga a vela que ilumina o caminho do pequeno grupo, Genoveva pega a vela que acende de novo e cuja chama resiste a todas as borrascas.
     Muitos consideram que ela contribuiu poderosamente para a conversão de Clóvis. A seu pedido, este primeiro rei cristão da França libertou prisioneiros, deu grandes esmolas ao Clero e aos pobres, e edificou várias igrejas. Genoveva aproveitou-se dessa posição para obter o perdão para numerosos prisioneiros políticos. Clovis e Clotilde, sua esposa, lhe devotavam uma grande veneração. A rainha Santa Clotilde, esposa de Clóvis, tinha Genoveva em alta consideração, e sempre que possível ia entreter-se com ela.
     A fama dessa Santa chegou tão longe, que o famoso São Simão Estilita, do alto de sua coluna na Ásia Menor, pediu a peregrinos franceses que o recomendassem às orações dela.
     Ela convenceu Clóvis a erigir uma igreja dedicada aos Santos Apóstolos Pedro e Paulo sobre o ''mons Lucotitius'' (que tem hoje o nome de montanha de Santa Genoveva, e fica no coração do famoso Quartier Latin). A construção foi iniciada por Clovis pouco antes de sua morte em 511.
     Cheia de anos e de virtudes, Santa Genoveva entregou sua puríssima alma a Deus em 512, aos 89 anos, numa ermida de Paris. Toda Paris chorou. Quando a igreja ficou pronta, seu corpo foi enterrado nela. Ao seu lado, na mesma igreja, foram sepultados Clovis e a Rainha Santa Clotilde (465-545), seus mais célebres discípulos. Devido aos numerosos milagres que ocorriam no seu túmulo, o nome de Santa Genoveva foi dado àquela igreja. Reis, príncipes e o povo enriqueceram-na com seus presentes.
     No ano 887, do Céu, novamente salvou ela sua cidade de Paris, sitiada pelos terríveis normandos. Pela primeira vez sua urna, cinzelada pelo famoso Santo Elói, foi levada pelo Clero e Magistrados, o que fez levantar milagrosamente o cerco, no momento em que o inimigo se preparava para o assalto final.
     As relíquias de Santa Genoveva foram preservadas em sua igreja, com grande devoção, por séculos, e Paris recebeu provas da eficácia de sua intercessão. Ela salvou a cidade de uma inundação em 834. Em 1129, uma praga violenta, conhecida como o “mal dos ardentes”, fez cerca de 14 mil vítimas, mas cessou imediatamente durante uma procissão em sua honra.
     Inocêncio II, que fora a Paris implorar o auxílio do rei contra o antipapa Anacleto, em 1130, examinou pessoalmente o milagre e ficou convencido de sua autenticidade ordenando uma festa anual, no dia 26 de novembro, para honrar o acontecimento. Uma pequena igreja, chamada de Santa Genoveva dos Ardentes, comemorava o milagre até 1747, quando foi demolida para dar lugar a um hospital.
     As santas relíquias de Santa Genoveva eram levadas em procissão anualmente até a catedral, e Mme. de Sévigné deixou uma descrição do evento em uma de suas cartas.
    Os revolucionários de 1793 destruíram muitas das relíquias preservadas na igreja de Santa Genoveva, e as restantes foram lançadas ao vento pela ralé em 1871. Felizmente uma grande relíquia foi mantida em Verneuil, Oise, e ainda existe.
     Santa Genoveva é patrona da cidade de Paris, da diocese de Nanterre, e é festejada no dia 3 de janeiro. A Corporação dos Gendarmes (que zelam pela ordem e segurança pública na França) a têm como patrona e a festejam no dia 26 de novembro, data do “milagre do mal dos ardentes”.
      Há uma Santa Genoveva de Loqueffret, uma santa bretã, que também é festejada no dia 3 de janeiro como sua ilustre homônima.
Urna contendo a relíquia de Santa Genoveva

Notas:
1- Sabine du Jeu, Sainte Geneviève, Les Éditions du Clocher, Toulouse, 1939, p. 4.
2- Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1946, p. 32.
3- Sabine du Jeu, op. cit. p. 26.
4 - Santos de cada dia, organização do Pe. José Leite, S.J., Editorial A.O., Braga, 1993, p. 19.
5- Abbé Croisset, Año Cristiano, Madrid, Saturnino Calleja, 1901, tomo I, p. 27.


Etimologia: o nome Genoveva é de étimo controverso. O 2º elemento (veva) parece que se prende ao alemão weben, “tecer” ou weib (mulher). Quanto ao 1º (geno) nada se sabe. Há quem o traduza por face (gen) branca ou bela (gwef) do céltico. Na forma latina é ‘Genovefa’.

Fontes: “Um santo para cada dia”, Paulinas, de Mário Sgarbossa e Luigi Giovannini;


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