terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Beata Maria de Jesus Deluil-Martiny, fundadora – 27 de fevereiro

     


     Maria nasceu em Marselha a 28 de maio de 1841. Filha de um brilhante advogado e excelente católico, sua mãe era uma digna sobrinha bisneta da Venerável Ana Madalena Remuzat, a visitandina que durante a peste de 1720 havia conseguido que Marselha se consagrasse ao Coração de Jesus. Assim, a devoção ao Sagrado Coração era considerada "patrimônio familiar".
     Foi educada pelos pais e pelas religiosas da Visitação. Um dia as Irmãs contam suas travessuras ao Mons. de Mazenod, fundador dos Oblatos de Maria Imaculada (canonizado em 1995), que lhes responde: "Não se inquietem, são coisas de menina; verão que um dia será a Santa Maria de Marselha".
     Em 1848, após vários distúrbios, o rei Luís Felipe abdica. As ruas tranquilas de Marselha, cidade cheia de recordações de São Lázaro, Santa Marta e Santa Maria Madalena, foram invadidas pelo ódio revolucionário. Maria tinha apenas 7 anos. Aproveitando-se da distração momentânea dos adultos, sai de casa para ver de perto o que está acontecendo. Chega até as barricadas feitas pelos soldados. Sem medo, aproxima-se e observa tudo com interesse. Alguns soldados a ignoram, outros sorriem diante de sua inocente e viva curiosidade. Um a toma pela mão e a reconduz a casa.
     Estes episódios da infância nos revelam muito da personalidade desta Beata. Vivaz, brilhante, cultíssima e muito a par das coisas da sociedade e da história.
     Aos 16 anos, prossegue sua formação em Lyon com as religiosas do Sagrado Coração, fundadas por Santa Sofia Barat. Terminados os estudos superiores em 1858, fez exercícios espirituais e consultou São João Batista Vianney, o Santo Cura d’Ars, sobre a própria vocação. O Santo respondeu-lhe: “Minha filha, antes de a conheceres, terás de rezar muitos Veni, Sancte Spiritus (Vem, Espírito Santo). Sim, serás toda de Deus, mas deverás esperar longamente no mundo”. De fato, aguardou durante anos a inspiração do que Deus queria dela.
     Embora ainda vivendo com a sua família, ocupando-se de seus pais, pratica as obras de apostolado, coloca-se a serviço dos pobres, ajuda os sacerdotes e as missões. Mons. Comboni, em sua viagem à França, teve a ajuda da jovem Maria.
     Em 1864, providencialmente cai em suas mãos um folheto procedente da Visitação de Bourg-en-Bresse intitulado: Guarda de honra do Sagrado Coração: finalidade da obra. A jovem lê e relê essas linhas que parecem dirigidas a sua alma de fogo. A 7 de fevereiro escreve ao Mosteiro solicitando ser inscrita na Guarda de honra e oferecendo-se, cheia de entusiasmo, para trabalhar pela obra.
     Inicia-se então uma ativa correspondência entre a Irmã Maria do Sagrado Coração e a "pequena Maria", como a chama carinhosamente a fundadora. Maria consegue seu primeiro êxito fazendo chegar a Guarda de Honra até Santa Sofia Barat, que se inscreve com todas suas religiosas.
     No dia 5 de junho do mesmo ano, o Cardeal de Villecourt consagra solenemente a nova igreja de Na. Sra. da Guarda, em Marselha. É uma cerimônia impressionante a qual assiste também o Cardeal Pitra e grande número de bispos franceses. Maria consegue que os dois cardeais e 20 bispos se inscrevam na Guarda de Honra.
A Beata antes da fundação
     Graças à direção espiritual do Padre Calage, ela vai pouco a pouco conhecendo a sua vocação. O Bem-aventurado Papa Pio IX e o Cardeal Dechamps, Arcebispo de Malines-Bruxelas, se interessaram por ela. Este último a define como “a Santa Teresa d’Ávila do nosso século”.
     Finalmente, a 20 de junho de 1873, solenidade do Sagrado Coração de Jesus, com algumas amigas, funda o Instituto das Filhas do Coração de Jesus, cuja finalidade é dedicar-se, na clausura, à adoração da Eucaristia, à oração e à imolação pela conversão do mundo distante de Deus, reparação pelos sacrilégios e pela santificação dos sacerdotes. O centro é Jesus Eucarístico oferecido ao Pai em todos os altares do mundo, presente no Tabernáculo, adorado noite e dia, vivido na intimidade da graça santificante e da caridade. O seu modelo, como ela mesma explica, é Nossa Senhora.
     Seguiram-se breves e densos anos. Muitas jovens acorreram e Madre Maria de Jesus – nome que adotou quando se tornou religiosa – funda mais dois mosteiros: Aix-en-Provence e La Servianne, perto de Marselha, numa propriedade herdada de sua mãe.
     Madre Maria cresce na intimidade com Jesus, educa as suas “filhas” nessa intimidade com Ele e na doação total. As suas “filhas” a amam como a uma mãe.
     No mês de abril de 1882 é obrigada a fechar o mosteiro de Aix-en-Provence devido à ameaça de perseguição por parte do governo francês. As religiosas são acolhidas parte em Berchem, parte em La Servianne.
     Madre Maria de Jesus escreve: “Legalmente, eles não têm nenhum poder sobre nós na La Servianne: estou na minha casa, na propriedade da minha família por quatro gerações e nenhum tribunal pode me mandar sair daqui. Mas, em nome da revolução, com o motim, os infames poderão quanto Deus permitir. Não haverá regras que os detenham. Quanto a nós, permaneçamos muito tranquilas...”.
     Madre Maria de Jesus é uma religiosa, uma contemplativa, mas não vive nas nuvens, fora do mundo. Nem é ignorante ou ingênua. A família e o ambiente do qual provém lhe abriram os olhos a tudo. Assim, o quadro que traça nesta carta de 8 de dezembro de 1882 é completo, a visão da História do mundo é lúcida, com um conhecimento claro de quanto gera na sociedade a rebelião contra Cristo e a Sua Igreja. Na segunda parte da carta, ela escreve:
     "Ao ver o triunfo do erro, a aparente legalidade com que se quer legitimar tanto mal, deveríamos nos desesperar do presente e do futuro? Não, irmãs, nunca! Jesus venceu satanás e o mundo! A Jesus Cristo pertence todo poder; ao ouvir o seu Nome todos os joelhos se dobram, inclusive nos abismos. As nações Lhe foram dadas em herança. Enquanto Ele permite que o monstro infernal se agite aos seus pés em fugazes e falsos sucessos, Ele vence e triunfa, os Anjos já cantam a Sua vitória definitiva. As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja fundada por Ele. O triunfo final não é para aqueles que trazem as insígnias do dragão, mas para nós que levamos o nome de Jesus Cristo sobre nossas frontes e o Seu amor em nossos corações!"
     "A Igreja prossegue de luta em luta, de conquista em conquista, até a eternidade bendita. Engana-se quem quisesse, no momento presente, julgar o conjunto das coisas. Nós temos a promessa e a certeza da vida eterna e, aquilo que conforta: Deus triunfa tão mais grandiosamente quanto mais a nós custa a vitória...."
     "A nossa tarefa é lavrar a terra, trabalhar removendo penosamente o terreno! Outros colherão a seara... Mas esta, fecunda e copiosa, será colocada certamente no celeiro do Pai celeste... Modestas operárias desta grande obra, trabalhemos no silêncio e na esperança. Rezemos - é a condição para o sucesso; reparemos, porque a dor suprema é a de ver Deus ultrajado e blasfemado; soframos, lutemos, morramos, se for preciso, certas de que lá no alto a Providência vela, a Onipotência de Deus nos assiste e tornar-se-á vitoriosa..."
     "Nós somos da estirpe de Maria Santíssima, a qual Deus mesmo pôs na inimizade perpétua com a raça de satanás, estirpe à qual Ele dá a vitória por meio de Jesus Cristo, sem, entretanto, eximi-la da fadiga, nem privá-la da honra e do mérito da luta".
     Madre Maria de Jesus teve que vencer não poucas dificuldades até ver o seu Instituto aprovado. Governou-o apenas durante dez anos, porque no dia 27 de fevereiro de 1884 foi barbaramente assassinada por um jardineiro que havia sido despedido do Convento La Servianne por sua preguiça e desleixo. Ele era ligado a grupos anarquistas e nela o assassino descarregou o seu ódio à Fé. Suas últimas palavras foram: "Eu o perdôo, pela Obra!" Ela se tornou virgem e mártir como sempre havia desejado.
     A 22 de outubro de 1989 foi solenemente beatificada pelo Papa João Paulo II em Roma.
Corpo incorrupto da Beata

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Maria des Vallées, «a Santa de Coutances» - 25 de fevereiro

    
     Filha de Julien des Vallées e de Jacqueline Germain, camponeses pobres ou membros de uma pequena nobreza empobrecida, Maria des Vallées nasceu em St-Sauveur-Lendelin, perto de Coutances, no dia 25 de setembro de 1590; perdeu seu pai aos doze anos. Sua mãe casou-se então com Gilles Capolain, que maltratava a pequena Maria.
     No dia 2 de maio de 1609, durante a festa de Saint-Marcouf, na vila de La Pierre, Maria, que tinha então 19 anos, encontra um pretendente que ela rechaça. Acometida de dores e convulsões, acusam o rapaz, que deixou a região na manhã seguinte, de tê-la enfeitiçado. Após três anos de sofrimentos, ela é apresentada ao bispo de Coutances, Mons. Nicolas de Briroy, que a exorciza e manda fazer uma pesquisa sobre a sua vida e a de sua família. Mas Maria não é libertada e continua a responder às perguntas em latim e em grego embora ela seja quase analfabeta.
Dom do sofrimento
     Suspeita de ser uma feiticeira, Maria foi encaminhada, em 1614, ao parlamento da Normandia, que considerou as suspeitas infundadas. Ela se transfere então para Coutances. Foi avaliado que ela estava possuída pelo demônio; ela é exorcizada por várias vezes, mas sempre sem resultado. Maria padece atrozes sofrimentos, mas acaba por aceitá-los. Ela se decide a se dar a Deus para “sofrer as penas do inferno” e oferece seus padecimentos “para a salvação da humanidade e a destruição do pecado”.
     Em 1641, Mons. Leonor Goyon de Matignon, Bispo de Coutances, pede ao Padre João Eudes para estudar o caso. O oratoriano passa a admirar a sua dirigida, considera que suas visões são sobrenaturais e, em 1655, ele reúne tudo o que sabe sobre ela em um caderno, que ele intitula A Vida admirável de Maria des Vallées e coisas prodigiosas que se passam com ela. Ela se torna sua inspiração, sua conselheira e o ajuda a fundar seminários e a difundir uma espiritualidade baseada na linguagem do “Coração” (obs.: São João Eudes difundiu a devoção ao Sagrado Coração na época em que viveu).
Morte e posteridade
     Maria faleceu no dia 25 de fevereiro de 1656 em Coutances. Imediatamente seu corpo é disputado. Ela foi inicialmente sepultada na capela São José da Igreja de São Nicolau, depois na capela do seminário dos Eudistas no dia 4 de novembro de 1656. Como o local foi transformado em liceu, no dia 5 de agosto de 1919 seus restos mortais foram transladados para perto do altar da capela de Puits, na catedral de Nossa Senhora de Coutances. Uma das três igrejas da cidade de Colombes, aberta ao culto em 1933, é dedicada a Maria des Vallées.
Críticas
     De 1656 à 1675, numerosos processos encabeçados pelo Padre Bazire com a ajuda dos jansenistas se sucedem, nos quais consideram Maria uma visionária da qual não se deveria guardar lembrança.
    Em 1674, um cônego de Rouen publica a este respeito um panfleto anônimo intitulado Cartas a um doutor da Sorbonne. No ambiente das Letras era então de bom tom fazer troça do Padre Eudes e de sua “beata”. Entretanto, no século XX o Abade Henrique Bremond tem um capítulo em sua História Literária do sentimento religioso (t. III): “O Padre Eudes e Maria des Vallées”. Ele se mostra sensível aos “dons poéticos da vidente e agastado com os detratores e os admiradores da ‘santa de Coutances”. Ele os acusa de serem partidários “do tudo ou do nada” e considera que a doença não impede que o paciente se santifique.
Jesus e Maria des Vallées
     Maria des Vallées rezava muito o Santo Rosário, e fez muitas peregrinações ao Monte Saint Michel. Ela rezava muito na catedral de Coutances. Maria se queixava a Jesus no auge dos seus sofrimentos. – Rejubilai, disse Jesus, porque vossa recompensa é grande nos céus. – Qual é a recompensa? – É a salvação das almas pelas quais nós sofremos e para as quais ganharemos o Céu.
     Antes de cada provação Maria via Nossa Senhora em lágrimas que lhe anunciava novas dores. Pois o coração de Maria des Vallées fazia um só com o coração da Mãe de Jesus e de Jesus, que lhe disse no dia 8 de fevereiro de 1652: “Eis vosso coração. É o da Mãe, mas é também o vosso, porque, enfim, Eu, minha Mãe e vós não temos senão um só coração”.
    Maria des Vallées, chamada de Irmã Maria se bem que ela não fosse religiosa, foi estigmatizada e os sinais das chagas dolorosas foram visíveis, segundo São João Eudes, “durante dezenove anos e cinco meses”. Após a morte de Maria, os lençóis com seu sangue foram distribuídos como relíquias por São João Eudes.
     Jesus havia dito a ela um dia: - “Vós sois minha Cruz viva. Eu me revesti de vossas carnes, é por isto que vossos sofrimentos são de um valor quase infinito”. Como São Paulo, Maria sofria nela, no corpo que Jesus se apropriara, o que faltara à Paixão de Nosso Senhor, pelo seu Corpo que é a Igreja.
     São João Eudes relata uma visão que ele assistiu em 1649. Nosso Senhor pergunta a Maria: – Quem sois? - Eu não sou nada, responde Maria. – Diga, diga, insiste Jesus. – Eu sou a mais miserável das criaturas. – Não, não é isto, retoma Nosso Senhor. Então Maria declara: – O Verbo se revestiu de minha carne e é Ele que sofre em mim.
     Em um último período de sofrimentos Maria vê tudo o que uma alma que rejeita o bem e Deus sofre por sua própria vontade.
Profecias
     A vida de Maria des Vallées revela a existência de seitas e da prática da feitiçaria. Jesus lhe disse: “Estes últimos tempos são minha obra e minha paixão. O fim será cheio de consolação, glorioso, digno de admiração, mas também mais desastroso, mais violento e mais assustador que se possa crer. Ele ceifará a terra com três filhas: a fé, a esperança e a Igreja militante”.
      Nosso Senhor lhe disse: “Vais dizer uma coisa três vezes triste”... “São estas palavras: ‘Spiritus Domini replevit orbem terrarum’”. “Entende-se isto pelo tempo em que o Espírito Santo espalhará o fogo do Amor divino por toda a terra, e que Ele fará o seu dilúvio. Pois há três dilúvios, todos os três tristes, e que são enviados para destruir o Pecado. O primeiro dilúvio é o do Pai eterno, que foi o dilúvio de água; o segundo é o do Filho, que foi o dilúvio de sangue; o terceiro é o do Espírito Santo, que será um dilúvio de fogo”. (*)
     “Mas ele será triste também como os outros, pois ele encontrará muita resistência e grande quantidade de madeira verde que será difícil de queimar. Dois já aconteceram, mas resta o terceiro; e como os dois primeiros foram preditos por muito tempo antes que chegassem, assim o último somente Deus conhece a data”.
     “Nosso Senhor diz que virá um tempo em que Ele fará chover um dilúvio de graças sobre toda a terra (...). Ele dará belos vasos de ouro para a Igreja, que é o símbolo de bons pastores com que ela será ornada e enriquecida. Para a conversão geral, todos os amigos de Deus por sua vez virão a terra para fazer o cerco às almas”.
     “Haverá grandes mártires embora os carrascos não os toquem, pois eles serão mártires do Amor divino. O Amor divino é que os martirizará. Eles serão consumidos na fornalha do Amor e serão em tal quantidade, maior do que os primeiros mártires que sofreram o martírio pela esperança das coroas e da glória, e estes não olharão a recompensa, mas somente a glória de Deus. E a Santa Virgem sustentará as forças destes fieis em seus combates terríveis”.
     “Não sofra por causa disto, lhe dizia Nosso Senhor, mas sabei que quando minha Misericórdia vier no tempo da Grande Tribulação, ela lançará todos os filhos pelas janelas e ela os esmagará. Quer dizer que ela matará todos os pecados que são os filhos dos pecadores. E será minha Misericórdia Divina que fará este massacre e que executará os castigos que acontecerão então. Mas não a conhecerão por tal. Acreditarão que será a Justiça, porque ela se revestirá das vestes da Justiça”.   
     Maria via as misérias do povo sob a forma de cordas que atraiam a cólera de Deus sobre a terra, a fim de punir os crimes, destruir o pecado e estabelecer o reino da Graça.
     Um dia Nosso Senhor lhe disse: “Minha esposa ficou leprosa. Que ela vá portanto se lavar sete vezes no Jordão; tomai esta camisa que minha Mãe lhe dá, e a use”. Maria viu um dia o pecado sob a figura de uma serpente cujo corpo fazia uma tríplice volta (o pecado dos padres, o dos chefes de Estado, e o do povo) e que mordia sua cauda, quer dizer, que se autodestruía.
     Um dia em que chamava Jesus de “Rei do céu e da terra”, Ele a interrompeu bruscamente: “Não, não da terra, é o pecado que aí reina. Mas Eu o expulsarei e o castigarei logo, esse monstro, e Eu reinarei em todo o universo”.
      Maria mesma anunciou: “Tempo virá, após uma crise universal que deve chegar, quando não haverá senão a justiça sobre a terra e o pecado será banido”. Como Deus lhe havia falado sobre uma conversão universal, ela se ofereceu como vítima expiatória para que ela pudesse se realizar, “e Deus, escreveu São João Eudes, ouviu suas preces”.
     “Eu vi, ela conta, a Força vir sobre um cavalo branco, que simboliza a alegria. Ela trazia na garupa a Verdade. Ela lhe deu um papel grande sobre o qual havia inscrições e lhe disse: ‘Eis o Jubileu que te prometi’. E Nosso Senhor me disse ainda que a expiação geral não acontecerá antes de um grande e terrível sinal que chegará, mas Ele não me explicou qual será o sinal”.

Fonte : Daniel Doré, Marie des Vallées. La «sainte de Coutances». Actes du colloque tenu au centre diocésain des Unelles à Coutances le samedi 1° juin 2013, réunis par le P. Daniel Doré, cjm, Vie Eudiste, hors série, 2013, 84 p., 13 €.

(*) São Luís Maria Grignion de Montfort teve conhecimento das visões e revelações proféticas de Maria des Vallées, e esta figura dos três dilúvios é inserida em sua famosa Oração Abrasada.
     Uma santa religiosa do Carmelo de Pontoise, Maria do Santo Sacramento, falecida em 30 de junho de 1642, confirmou que em 1634 tinha tido a revelação de que uma pobre filha do povo que vivia no abandono e escondida, tratada como insana, detinha a torrente da cólera divina que de outra forma teria se abatido sobre a França por causa de seus pecados. Deus permitiu que o segredo desta mulher somente fosse conhecido por sete pessoas, entre elas duas grandes figuras da espiritualidade francesa do século XVII: São João Eudes e o Barão de Renty. Eudes e Renty foram apóstolos da Normandia como Montfort o foi da Vandeia.
     Maria des Vallées ainda não foi canonizada pela Igreja, mas a canonização de São João Eudes constitui uma confirmação não só da sua santidade, mas também da veracidade das suas revelações, sempre reforçada pelo santo da Normandia. A Providência determinou que as revelações de Maria des Vallées fossem do conhecimento de poucos eleitos, enquanto que as de Santa Margarida Maria foram difundidas ao mundo todo, mas ambas confluem para uma grande única devoção, o Sagrado Coração de Jesus, e o nome de São João Eudes e de Maria des Vallées se uniram inseparavelmente aos de Santa Margarida Maria e de São Cláudio de la Colombière.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Beata Joana Franchi, Fundadora - 23 de fevereiro

    
     Joana Franchi nasceu em Como (Lombardia), Itália, no dia 24 de junho de 1807, segunda filha de José Franchi, magistrado do Tribunal da Cidade, e de Josefina Mazza, uma família nobre, rica e muito religiosa. Batizada no dia seguinte ao seu nascimento, ela recebeu o Sacramento da Confirmação aos 11 anos, como era costume na época.
     Como todas as jovens de sua classe social, aos sete anos de idade ela foi confiada ao prestigioso educandário do Mosteiro de São Carlos das Visitandinas de Como. O educandário prescrevia que por 10 anos as estudantes não podiam ver a família, a não ser raramente através de uma grade.
     Voltando à família, dedicou-se a cuidar de seus pais, ao ensino de catecismo na paróquia e a participar de associações católicas. Após uma breve experiência de noivado, que terminou com a morte de seu noivo em 1840, quando Joaninha tinha 33 anos decidiu consagrar-se totalmente ao Senhor.
     A partir de 1846, ela colocou-se sob a direção espiritual do piedoso Arcipreste da Catedral de Como, Padre G. Abbondio Crotti, que também realizava apostolado entre os doentes e os prisioneiros. Após o falecimento dos pais, intensificou a assistência aos doentes na residência.
     Mais tarde, em nome do Arcipreste da Catedral, ela comprou uma propriedade na Via Vitani, no bairro pobre de Cortesella, onde, em 27 de setembro de 1853, com três companheiras, Nina Luigia Allegri, Lucrécia Schiavetti e Ana Maria Poletti, fundou a Pia União das Irmãs Enfermeira da Caridade. O grupo, liderado pelo cônego João Abbondio Crotti, tinha uma vida em comum naquela casa. Pio IX concedeu a elas permissão para ter um oratório privado.
     Na Páscoa de 1858, Joaninha Franchi usou pela primeira vez o hábito religioso, confiou a Pia União das Irmãs Enfermeiras à Virgem Dolorosa, e em 21 de novembro foi seguida por suas companheiras.
     As Pias Enfermeiras, de acordo com o projeto original de São Francisco de Sales para as Visitandinas, assistiam os doentes em casa e as mulheres na prisão de São Donino; dedicavam-se ao cuidado físico e moral dos doentes, pobres, idosos, pessoas sozinhas e sem teto.
    Joana compôs para si e para as Irmãs o método de vida aprovado em 16 de julho de 1862 pelo bispo de Como, Mons. Marzorati. Uma regra de vida muito simples, mas baseada em alguns princípios fundamentais para favorecer pacientes gravemente doentes e moribundos, porque estão mais sozinhos e mais próximos do encontro com Deus; considerar a presença viva de Cristo na Eucaristia e na pessoa que sofre; mostrar-se "corajosa e humilde ao mesmo tempo, paciente e de maneiras corteses, amantes do silêncio e da fadiga, bem dispostas para ajudar os doentes e para qualquer trabalho de caridade, sem exceção, por mais extenuante e repugnante”.
     Joana chegava a recomendar às Irmãs: "não deixem de fazer trabalhos que são indiscriminadamente solicitados, como varrer os quartos, lavar tigelas, limpar os doentes, mostrando naquilo uma santa alegria e consolação, certas de realizarem uma ação muito nobre e preciosa aos olhos de Deus". Todo o carisma da fundadora pode ser resumido em uma expressão "o amor do próximo seja nas Irmãs um amor universal que abraça todos no Senhor e não exclui ninguém" (Método de vida, n. 1).
     No verão de 1871, enquanto em Como a varíola (segundo alguns a cólera) semeava a morte, a fundadora foi generosa na assistência às pessoas afetadas pelo mal. Infectada pela varíola (ou cólera) ela caminhou rapidamente para o final de sua existência, falecendo em odor de santidade às 5:30 do dia 23 de fevereiro de 1872, quatro meses antes de completar 65 anos de idade. O funeral realizou-se na manhã de 24 de fevereiro, mas foi um ato humilde e silencioso, ou seja, sem a presença de muitas pessoas como precaução por causa da temida propagação da epidemia.
     No anúncio de sua morte redigido pelas Irmãs se lê: “Hoje, dia 23 de fevereiro, cai uma semente que era a sustentáculo de todas nós e de todos os pobres da cidade”.
     Sua espiritualidade, infundida pelo Espírito Santo, continua vivo até a atualidade nas diferentes instituições assistidas por suas filhas.
     Em 27 de setembro de 1994, Mons. Alexandre Maggiolini, Bispo de Como, abriu o processo diocesano, encerrado em 27 de setembro de 1995. O Papa Bento XVI declarou-a Venerável em 20 de dezembro de 2012. Em 9 de dezembro de 2013 o Papa Francisco aprovou o milagre que prepara o caminho para sua beatificação.

Fonte: www.santiebeati.it/


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Nossa Senhora do Divino Pranto

     
     Na comunidade das Irmãs Marcelinas, em Cernusco, na Itália, berço da Congregação, o médico Dr. Bino, no dia 6 de janeiro de 1924, apresenta seu diagnóstico a respeito de uma jovem religiosa enferma, Irmã Elizabeth: “Nada mais posso fazer por ela. A medicina já não tem recursos neste caso”.
     Muito querida por todos, a irmã está cega, debilitada, prostrada por tremendas dores. Muitas vezes, fica durante horas e horas inconsciente. Imersa em dores, o sorriso permanece em seus lábios.
     Às dez e trinta da noite todas dormem na casa religiosa. Na enfermaria, Irmã Elizabeth respira com muita dificuldade. De repente, a religiosa começa a falar. As irmãs presentes escutam atônitas o que ela diz: “Oh! Como a Senhora é boa! Mas eu tenho uma dor tão grande que nem sei oferecer direito a Deus… Reze a Senhora que é tão boa!”.
     As religiosas estão atentas, mas não podem ouvir a resposta da ‘Senhora’ que, no entanto, fala: “Reza! Confia! Espera! Voltarei de 22 para 23 de fevereiro″.
     Em meio ao seu sofrimento, a enferma pensa na dor das outras irmãs enfermas: “Vá falar com Irmã Teresa, Irmã Amália e com Irmã Elisa Antoniani, que há tantos anos está doente!”. A boa ‘Senhora’ sorri e desaparece.
     Na manhã seguinte, as companheiras de quarto comentam: “Ontem, à noite, Irmã Elizabeth não parava de falar, sonhando”. Prontamente ela respondeu: “Não sonhei, falei com aquela ‘Senhora’”. As religiosas sorriem penalizadas. A enfermeira, bondosa e enérgica, repreende a Irmã Elizabeth, dizendo: “Que pode ter visto você, que está cega há um ano? Você sonhou e não invente tolices!”
     A Superiora, Irmã Ermínia Bussola, também tenta convencê-la: “Quero-lhe muito bem e não a engano. Repito que aqui em casa não veio ninguém de fora. Você sonhou”.
     A pobre Superiora por toda a sua vida teve que lamentar-se de sua incredulidade. Foi, ao invés, no plano de Deus, uma das tantas provas que autenticaram a aparição.
     Irmã Elizabeth prossegue tranquila carregando sua cruz.
De 22 para 23…
     Chega fevereiro trazendo neve e frio intenso. A enferma aguarda um novo encontro com a ‘Senhora’ para o dia 2. Não dorme, ouvindo as batidas do relógio e conta as horas. A noite passa sem nenhuma novidade. Vem a manhã do dia 3 e Irmã Elizabeth mal disfarça o choro. A Superiora pergunta-lhe a razão da tristeza. A enferma responde: “Ela não veio… tinha dito de 2 para 3...”. A Superiora fica preocupada com as faculdades mentais de Irmã Elizabeth que piora a cada dia.
     Novamente o médico é chamado. Sua opinião: “Desta vez é o fim. Não há nada mais a fazer. A Irmã tem poucas horas de vida”.
     No dia 22 de fevereiro, na enfermaria, Irmã Gariboldi vela pela agonizante acompanhada de outra religiosa. São vinte e três horas e quarenta e cinco minutos. As duas Irmãs rezam em voz baixa. Pedem misericórdia para a coirmã que sofre tanto. Neste momento, Irmã Elizabeth tem um sobressalto. As Irmãs acodem, pensando que chegou o momento final. Mas, aquela que há quinze dias não fala, grita, agora: “Oh! a ‘senhora’! A ‘senhora’”!
     Trêmula, a Irmã Gariboldi convida a outra Irmã a ajoelhar-se e murmura: “Se for a Senhora, levá-la-á consigo!” Sem nada entender, as duas espectadoras ouvem atentamente: “Oh! a ‘senhora’! De 22 para 23? Pois eu havia entendido de 2 para 3. E era de 22 para 23!…”
     De repente, a Irmã Elizabeth se ergue um pouco mais e sua atitude é de espanto quando diz: “Mas, ‘senhora’… é Nossa Senhora! É Nossa Senhora!” Ela vê que a Virgem traz o Menino Jesus nos braços e Ele está chorando. “Chora por meus pecados? Chora porque não o amei bastante?…”
     As religiosas presentes nada ouvem, mas pressentem que algo extraordinário está ocorrendo. A Senhora responde: “…O Menino chora porque não é bastante amado, procurado, desejado também pelas pessoas que Lhe são consagradas… Tu deves dizer isto!”
A Missão
     Irmã Elizabeth ainda não havia percebido a missão que a Senhora lhe confiava. Ela julga que a Virgem viera levá-la ao Paraíso, no que se equivoca: Maria SSma. quer dar-lhe uma missão.   A Irmã sente que não é capaz de espalhar a mensagem. Acha que ninguém acreditará nela. Por isso, pede que Nossa Senhora lhe dê um sinal. Então, Nossa Senhora com um carinhoso sorriso se inclina levemente e diz: “Devolvo-te a saúde!”, desaparecendo com o Menino Jesus logo em seguida. 
     Alguém se lembra de chamar a Superiora que se levanta, achando que vai encontrar a enferma dando seu último suspiro. Ao invés disso, vê a doente luminosa, de olhos radiantes.
     Irmã Elizabeth corre a abraçar a Superiora, exclamando: “Nossa Senhora curou-me e mandou-me dizer que Jesus chora porque não é bastante amado, procurado, desejado também pelas pessoas que lhe são consagradas!”
     O médico que a acompanhou sempre afirmou: “A cura de Irmã Elizabeth não pode ser explicada pela ciência”. Antes, ateu, converteu-se e tornou-se um cristão fervoroso.
     Mais tarde, conseguida a aprovação da Igreja para este culto de Nossa Senhora, foi modelada uma imagem de acordo com a descrição feita por Irmã Elizabeth.
     Ainda hoje, em Cernusco e em vários países, as Irmãs Marcelinas espalham esta devoção à Virgem Santíssima. A afluência de peregrinações ao local da aparição é grande. A capela já não é suficiente para conter todos aqueles que, cheios de fé, diante da Virgem do Divino Pranto, rezam, confiam e esperam.

Jaculatória: Querido Menino Jesus, amar-Vos-ei muito para enxugar as lágrimas que Vos faz derramar a ingratidão dos homens.

Fontes: Virgem Imaculada; www.adf.org.br/

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Santa Bernadette Soubirous – 18 de fevereiro

(cont.)

Manuscritos de Sta. Bernadette - A Vidente de Na. Sra. de Lourdes 

     
Bernadette por ocasião das Aparições
     Mari
a Bernarda, ou Bernadette, nasceu em Lourdes, nos contrafortes dos Pirineus franceses, no dia 7 de janeiro de 1844. Seus pais eram patrões de moinho e tinham tido certa abastança, mas por sua facilidade em perdoar as dívidas acabaram caindo na miséria.
     A vida de Bernadette resume-se em praticar o que lhe recomendou a Santíssima Virgem: rezar, especialmente o Rosário, e fazer penitência pelos pecadores.
     Por isso, tendo entrado posteriormente no convento das Irmãs da Caridade de Nevers, sua oração frequente era: 
          “Ó Jesus! Ó Maria! Fazei que todo meu consolo neste mundo consista em amar-vos e sofrer pelos pecadores. Que eu mesma seja um crucifixo vivente, transformada em Jesus. [...] Tenho que ser vítima [...] Levarei com valentia e generosidade a cruz oculta em meu coração. Minha ocupação é sofrer”. (1)
     Analfabeta até os 14 anos, em sua humildade ela se considerava pouco inteligente e capaz. Por isso dizia: “Posto que não sei nada, posso pelo menos rezar o Rosário e amar a Deus com todo o coração. E, ademais, a Santíssima Virgem recomendou tanto que rogasse pelos pecadores!”.
“Tenho necessidade do socorro das almas boas”
     Nada melhor para se conhecer a vida de um santo do que através de suas próprias palavras. Possuímos mais de 100 cartas da santa de Lourdes que dão testemunho de uma inteligência viva, alegre e perspicaz.
     Assim, na primeira delas, dirigida a um fervoroso devoto de Lourdes, a santa lhe pede que reze por ela a Nossa Senhora, para alcançar-lhe “a graça de corresponder fielmente a todos os desígnios de Deus sobre mim. Eu sou, senhor, muito fraca. Tenho grande necessidade do socorro das preces das almas boas, para não abusar do favor que recebi do Céu, apesar de indigna” (Carta de 3/12/1862 a D. Antônio Morales, p. 23). (2)
Alta compreensão da vocação religiosa
     Santa Bernadette compreendia bem a vida religiosa. Pelo que escreve a seu irmão João Maria, que queria tornar-se religioso, pode-se compreender como ela vivia sua consagração a Deus: “Lembremo-nos frequentemente desta palavra do divino Mestre que nos diz: ‘Eu não vim para ser servido, mas para servir’. Isso parece duro e difícil à natureza, mas quando se ama bem a Nosso Senhor, tudo se torna fácil”.
     “Quando alguma coisa nos custa, digamos em seguida: ‘tudo para vos agradar, ó meu Deus, e nada para me satisfazer’. Este outro pensamento me fez também muito bem: ‘fazer sempre o que mais nos custa’; isso me ajudou a me sobrepor a muitas pequenas repugnâncias” (Carta a João Maria, de 21/4/1870, p. 63).
Grande devoção à Sagrada Eucaristia
     Sobre sua devoção à Sagrada Eucaristia, encontramos um exemplo na carta que escreve às suas primas, que se preparavam para fazer a 1ª. Comunhão:
     “Ó minhas queridas crianças! É necessário se ter um coração de anjo para receber Nosso Senhor como Ele merece! Fazei-o pelo menos com a maior fé, humildade e amor que vos seja possível.
     “E, assim que Nosso Senhor estiver em vosso coração, abandonai-vos a Ele, e gozai em paz as delícias de sua presença. Amai-O, adorai-O, ouvi-O, louvai-O, eu diria mesmo, desfrutai-O.
     “Ó feliz momento! Só a eternidade nos reserva alegrias maiores” (Carta às suas primas, por volta de 1875, p.102).
     A seu irmão mais novo, Pedro, que também iria fazer a 1ª. Comunhão, ela escreve: 
     “Não é preciso dizer, meu querido irmãozinho que daqui para frente teu coração, teu espírito, tua alma, não devem ocupar-se senão de um pensamento: o de fazer de teu  coração a morada de um Deus.
     “Oh! sim, é necessário que esse bom Salvador esteja continuamente presente em teu pensamento, e pedir-Lhe que Ele mesmo prepare sua morada, a fim de que não falte nada à sua chegada” (Carta a seu irmão Pedro Bernardo, de 23/5/1872, p. 80).
     Sobre a alegria de poder comungar, ela confidencia também à sua irmã Maria: “Nosso Senhor é tão bom! Eu tive a felicidade de O receber durante toda minha doença três vezes por semana em meu pobre e indigno coração. A cruz se tornava mais leve e os sofrimentos doces, quando eu pensava que teria a visita de Jesus e o insigne favor de O possuir em meu coração” (Carta de 28/4/1873, pp. 85-86).
Percebendo a mão de Deus que castiga
     Bernadette via com olhos sobrenaturais os acontecimentos de sua época.
     Assim, por exemplo, em 1870, durante a guerra franco-prussiana, quando os alemães já estavam próximos de Nevers — e, portanto, ameaçavam a própria segurança das irmãs —, estando já a comunidade inteira a serviço dos feridos, Santa Bernadette escreve à sua irmã Maria:
     “Não temos senão uma coisa a fazer: é pedir muito à Ssma. Virgem, a fim de que Ela queira interceder por nós junto de seu querido Filho, e nos obter perdão e misericórdia; tenho a doce confiança de que a Justiça de Deus que nos castiga neste momento será então aplacada por essa terna Mãe” (Carta à sua irmã Maria, de 25/12/1870, p.70).
     Em 1871, durante os grandes tumultos da Comuna de Paris, ela escreve à Madre Alexandrina: 
     “Permiti, minha querida Mãe, que vos deseje um bom Aleluia, bem como a todas as queridas Irmãs. Nós deveríamos mais chorar do que nos regozijar vendo nossa pobre França tão endurecida e tão cega.
     “Quanto Nosso Senhor é ofendido! Roguemos muito por esses pobres pecadores, a fim de que eles se convertam: apesar de tudo, são nossos irmãos! Peçamos a Nosso Senhor e à Santíssima Virgem que transformem esses lobos em cordeiros” (Carta à Madre Alexandrina Roques, de 3/4/1872, p. 78). 
     Já em 1875, numa outra carta, fazendo alusão aos massacres cometidos em Paris durante o advento da Terceira República e das grandes enchentes na região de Lourdes, ela diz à sua irmã Maria, em carta de 4 de julho:
     “O bom Deus nos castiga, mas é sempre pai. As ruas de Paris foram regadas pelo sangue de um grande número de vítimas, e isso não foi suficiente para tocar os corações endurecidos no mal; foi necessário que as ruas do Sul fossem também lavadas e que elas tivessem também suas vítimas. Meu Deus! Como o homem é cego se não abre seu coração à luz da fé! Depois de infelicidades tão terríveis, não teremos a tentação de nos perguntar o que teria podido provocar esses terríveis castigos?
     “Escutemos bem, e ouviremos uma voz, no fundo de nosso coração, a nos dizer: é o pecado, sim, o pecado, pois que é a maior infelicidade que nos atrai todos os castigos. O mal que cometemos com malícia cai sobre nós. Eis a felicidade e as vantagens que nos procuram a obra do pecado. Ó meu Deus, perdoai-nos e fazei-nos misericórdia” (pp. 97-98).
     Ela pensa nos militares que tinham de manter a ordem e a disciplina durante esses tempos calamitosos. Assim, diz a seu irmão, que havia se engajado no exército: 
     “Eu sei que os militares têm muito que sofrer em silêncio. Se eles tivessem o cuidado de dizer todas as manhãs ao levantar-se estas curtas palavras a Nosso Senhor: ‘Meu Deus, hoje eu quero fazer tudo e sofrer tudo por vosso amor’, quantos méritos adquiririam para a eternidade.
     “Um soldado que fizesse isso e fosse fiel aos seus deveres de cristão tanto quanto lhe seja possível, teria tanto mérito quanto um religioso.
     “Com efeito, o religioso não pode esperar recompensa de seus trabalhos e de seus sofrimentos senão pelo que tiver sofrido e trabalhado para comprazer a Nosso Senhor” (Carta a João Maria, de 1/7/1876, p.109).
“Nossa família é mais numerosa no Céu”
Santa Bernadette religiosa em Nevers
     Sua irmã Maria, que já tinha perdido três filhos, perde a última filha que lhe restava. A carta que lhe escreve Santa Bernadette é cheia de espírito sobrenatural:
     “Adoremos sempre e bendigamos a mão poderosa de Nosso Senhor, que não nos atinge senão para nos curar e nos fazer ver o nada das coisas desta miserável Terra, onde não estamos senão de passagem.
     “Eu compreendo que para o coração de uma mãe é bem triste, eu diria mesmo cruel, perder seu quarto filho.
     “É certo que a prova é bem rude. Mas quando olho as coisas com os olhos da fé, não posso me impedir de exclamar: feliz mãe que envia anjos ao Céu, que rezarão por ti e por toda a tua família. Eles serão nossos protetores junto de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem. [...]
     “Coragem: nossa família é mais numerosa no Céu do que na Terra. Rezemos, trabalhemos e soframos tanto quanto agradar a Nosso Senhor. Talvez daqui a pouco partilharemos sua felicidade” (Carta de 26/8/1876, p.115).
Em carta ao Papa: “Há muito que sou um zuavo”
     O Beato Pio IX também faleceu não muito depois: em 7 de fevereiro de 1878. Ele deixou a Terra em meio a grandes sofrimentos provocados pelos inimigos da Igreja que invadiram e usurparam os Estados Pontifícios, dos quais o Papa é rei.
     Naquela data brilharam pelo seu heroísmo os zuavos pontifícios, muitos dos quais morreram em combate defendendo o reino do Papa.
     A eles se refere Santa Bernadette quando diz “há já alguns anos que eu me constituí pequeno zuavo” (3). Seu coração estava junto com aqueles bravos soldados que davam sua vida pela Igreja no campo de batalha.
     Para os inimigos da Igreja Santa Bernadette tem essa frase de conteúdo profético que faz pensar em La Salette e Fátima: Nossa Senhora “se dignará colocar ainda mais uma vez Seu pé sobre a cabeça da serpente maldita, e dar assim um termo às cruéis provações da Santa Igreja e às dores de seu augusto e Bem-Amado Pontífice”.
     Eis a carta:
     Santa Bernadete com as freiras do hospital de Lourdes
     Santíssimo Padre, eu jamais teria ousado tomar a caneta para escrever a Vossa Santidade, eu, pobre Irmãzinha, se nosso digno bispo, Mons. de Ladoue, não me tivesse encorajado. (...)
     Eu temi, de início, ser demasiado indiscreta; depois me veio ao pensamento que Nosso Senhor ama de ser importunado, tanto pelos pequenos quanto pelos grandes, pelo pobre e pelo rico, e que Ele se dá a cada um de nós sem distinção.
     Esse pensamento me deu coragem e, portanto, não tenho mais medo. Aproximo-me de Vós, Santíssimo Padre, como uma criancinha pobre até ao mais tenro dos Pais, cheia de abandono e de confiança.
     O que poderia eu fazer, Santíssimo Padre, para Vos testemunhar o meu amor filial? Eu não posso senão continuar o que fiz até o presente, isto é, sofrer e rezar.
     Há já alguns anos que eu me constituí, apesar de indigna, pequeno zuavo de Vossa Santidade; minhas armas são a oração e o sacrifício, que conservarei até o meu último suspiro.
     Somente então cairá a arma do sacrifício, mas a da oração me acompanhará até o Céu, onde será bem mais poderosa do que nesta terra de exílio.
     Eu rezo todos os dias ao Sagrado Coração de Jesus e ao Coração Imaculado de Maria para que Vos conservem ainda por muito tempo entre nós, porquanto Vós Os fazeis conhecer e amar tão bem.
     Eu tenho a doce confiança de que esses Corações Sagrados se dignarão de atender este desejo, que é o mais querido do meu coração.
     Parece-me, quando rezo nas intenções de Vossa Santidade, que do Céu a Santíssima Virgem deve com frequência pousar seu olhar materno sobre Vós, Santíssimo Padre, porque Vós A proclamastes Imaculada. “Eu sou a Imaculada Conceição” (no dialeto que falava Santa Bernadete).
     Gosto de pensar que Vós sois particularmente amado por esta boa Mãe porque, quatro anos depois, Ela própria veio a esta terra para dizer: “Eu sou a Imaculada Conceição”.
     Eu não sabia o que isso significava, eu nunca havia ouvido esta palavra. Depois, refletindo, eu me disse com frequência: como é boa a Santíssima Virgem. Dir-se-ia que Ela veio confirmar a palavra do nosso Santo Padre.
     É isso que me faz acreditar que Ela deve Vos proteger muito especialmente.
     Espero que esta boa Mãe tenha piedade de seus filhos, e que Ela se dignará colocar ainda mais uma vez Seu pé sobre a cabeça da serpente maldita, e dar assim um termo às cruéis provações da Santa Igreja e às dores de seu augusto e Bem-Amado Pontífice.
     Osculo humildemente os vossos pés e sou, com o mais profundo respeito, Santíssimo Padre, de Vossa Santidade a humílima e muito submissa filha.
Irmã Marie-Bernard Soubirous 
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Notas:
1. Dom Prospero GuérangerEl Año Litúrgico, Editorial Aldecoa, Burgos, 1956, tomo II, p. 779.
2. As cartas são traduzidas da obra Soeurs de la Charité de NeversSainte Bernadette d’après ses lettres, P. Lethielleux, Paris, 1993.
3. “Zuavo Pontifício”. Nome do corpo de infantaria francesa, originalmente recrutado na Argélia, composto por voluntários católicos que se dispuseram a proteger o Papa Bem-aventurado Pio IX contra os revolucionários que invadiram os Estados Pontifícios. Foram acrescidos de voluntários alemães, franceses, belgas, romanos, canadenses, espanhóis, irlandeses e ingleses.

Fonte: Plinio Maria Solimeo, Catolicismo http://catolicismo.com.br/
https://ipco.org.br/santa-bernadette-a-santa-que-achava-pertencer-a-tropa-de-elite-do-papado/